No dia 21 de Março de 2013, Dia
Internacional da Poesia, teve lugar na Escola EB1 de Sequeira, Braga, o “1º
Encontro com Poesia”, uma iniciativa conjunta entre a Escola e o Rancho Folclórico,
cuja sessão foi presidida pela Vereadora da Cultura, pela Directora do
Agrupamento de Escolas, pela Directora da Escola, pelo Presidente da Junta e
pelo Presidente da Associação de Pais e pelo representante da Direcção do
Rancho Folclórico de Sequeira. Esta iniciativa cultural teve como objectivos
fomentar a leitura retirando-a do espaço de aula habitual levando-a ao
público, levar a escola à comunidade e
trazer também a comunidade à escola, para além de mostrar o trabalho
desconhecido de alguns poetas locais. A recepção da iniciativa superou as expectativas
abrangendo todas as faixas etárias.
A declamação foi dividida em seis
blocos de participantes: alunos, professoras, pais, poetas locais, convidados e
elementos do rancho folclórico.
Pelo palco passaram poemas de António
Mota, Cecília Meireles, Almeida Garrett, Fernando Pessoa, Tóssan, José Jorge
Letria, Florbela Espanca, José Régio, W. Shakespeare, João Penha, Pedro Homem
de Mello, Miguel Torga, José Manuel Mendes e Guerra Junqueiro. Mas também
passaram pelo palco três poetas populares, Domingos Queirós, José Lourenço
Gomes, João Azevedo e o poeta erudito José Vieira, que deram um brilho especial
à sessão. A sessão encerrou em apoteose com duas canções de autoria de Mário
Gonçalves, cantadas pelo próprio.
Também foi anunciado que o
próximo “Encontro com Poesia”, no próximo ano, estará sujeito a uma abordagem
temática que será anunciada em Outubro, de modo a que os interessados
prepararem os seus poemas favoritos do dito tema ou escreverem sobre ele.
Deixamos aqui alguns dos poemas
declamados.
TÓSSAN
O SAPO E O PAPO
Um sapo de
grande papo,
Papou a papa
do prato
Que era pró
papo do gato,
E não só
papou a papa
Como também
papou o prato.
O prato,
Quando
chegou ao papo,
Encontrou-se
com a papa
Que já lá
estava no papo.
O sapo,
Da papa fez
a digestão
Agora, do
prato é que não.
E como a
papa do gato
Foi papada
pelo sapo
Dei meia
dúzia de ratos
Ao pobrezito
do gato.
O cão e a
cadela
Paparam só
morcela.
Depois dei
papa ao papagaio.
E a catatua
papou bifes
De perua.
E logo de
manhã enchi
O papo à rã.
A cotovia
papou a papa
Ao meio-dia.
De tarde
Dei ao porco
feijão-frade.
E o sapo não
papou mais nada
Porque o
prato
Que ficou no
papo não deixava.
Só o cágado
abriu a boca
Como quem
boceja,
Cheiinho de
inveja.
Depois houve
concerto no coreto.
O sapo
pateta tocava corneta,
O pelicano
com o bico
Tocava
piano.
O saguim
tocou no cornetim,
Mas o saguão
tocou tocou violão.
O cão esse
então
Só com o
rabo
Tocava
rabecão.
E o macaco amendoim
Dedilhava o
bandolim.
O gato
Quando dava
um mi miava,
E nesta
confusão
Tudo
desafinava…
E eu
bocejava, bocejava,
Bocejava.
MIGUEL TORGA
BRINQUEDO
Foi um sonho
que eu tive:
Era uma
grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino
de bibe.
O menino
tinha lançado a estrela
Com ar de
quem semeia uma ilusão;
E a estrela
ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo
cordel à sua mão.
Mas tão alto
subiu
Que deixou
de ser estrela de papel.
E o menino
ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe
o cordel.
ALMEIDA
GARRET
Pescador da
barca bela
Onde vais
pescar com ela:
Que é tão
bela,
Oh pescador?
Não vês que
a última estrela
No céu
nublado se vela?
Colhe a
vela,
O pescador!
Deita o
lanço com cautela,
Que a sereia
canta bela…
Mas cautela,
Oh pescador!
Não se enrede
a rede nela,
Que perdido
é remo e vela
Só de vê-la,
Oh pescador.
Pescador da
barca bela,
Inda é
tempo, foge dela,
Foge dela,
Oh pescador!
JOÃO PENHA
A CANÇÃO DOS
NOSSOS ANJOS
Ó vós
outros, mancebos amantes
Que no
mundo, cantando, passais
Vossos
passos detende uns instantes,
Vinde ouvir
nossos cantos leais.
Somos anjos
de luz, somos fadas,
Duma
essência divina talvez,
Mas gostamos
de ser animadas
Por um cálix
de loiro Xerês.
Detestamos a
prosa burguesa,
Não a
olhamos, porém de soslaio,
Quando a
vemos surgente na mesa,
Sob a forma
celeste dum paio.
Debruçadas
nas nossas janelas,
Bem gostamos
de ouvir serenatas,
Se nos
dizem: “senhoras, sois belas,
Inspirai-nos
paixões insensatas.”
Mas os
cantos que mais nos aprazem,
A nós,
lírios de etéreos jardins,
Que
tristezas repelem, desfazem,
São somente
os dos áureos zequins.
JOSÉ RÉGIO
CANTICO
NEGRO
“Vem por
aqui” – dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me
os braços, seguros
De que seria
bom que eu os ouvisse
Quando me
dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os
com olhos lassos,
(Há, nos
meus olhos ironias e cansaços)
E cruzo os
braços,
E nunca vou
por ali…
A minha
glória é esta:
Criar
desumanidade!
Não
acompanhar ninguém.
- Que eu
vivo com o mesmo sem-vontade
Com que
rasguei o ventre a minha mãe.
Não, não vou
por aí! Só vou por onde
Me levam
meus próprios passos…
Se ao que
busco saber nenhum de vós responde,
Porque me
repetis: “Vem por aqui?”
Prefiro
escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar
aos ventos,
Como
farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…
Se vim ao
mundo, foi
Só para
desflorar florestas virgens.
E desenhar
meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que
faço não vale nada.
Como, pois,
sereis vós.
Que me dareis impulsos, ferramentas,
e coragem
Para eu
derrubar os meus obstáculos?---
Corre, nas vossas veias, sangue
velho dos avós,
E vós amais
o que é fácil!
Eu amo o
Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os
desertos…
Ide! Tendes
estradas,
Tendes
jardins, tendes canteiros,
Tendes
pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e
filósofos, e sábios.
Eu tenho a
minha loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na
noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos
nos lábios…
Deus e o Diabo é que me guiam, mais
ninguém.
Todos
tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que
nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o
Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas
intenções!
Ninguém me
peça definições!
Ninguém me
diga: “vem por aqui!”
A minha vida
é um vendaval que se soltou.
É uma onda
que se alevantou.
É um átomo a
mais que se animou…
Não sei por
onde vou,
Não sei para
onde vou,
- Sei que
não vou por aí!
PEDRO HOMEM
DE MELLO
CANÇÃO DE
VIANA
Dancei a
Gota em Carreço
O verde gaio
em Afife
(Dancei
devagarinho
Como a lei
manda bailar!)
Dancei em
Vile a Tirana
E dancei por
todo o Minho
E quem diz
Minho, diz Viana…
Ó minha
terra vestida
Da cor da
folha da rosa!
Ó brancos
saios de Perre
Vermelhinho
na Areosa!
Virei costas
à Galiza,
Voltei-me
antes para o sul…
Santa Marta!
Trajo verde…
Como o povo
era poeta
Aquele traje
(tão verde!)
Deram-lhe o
nome de azul…
Virei costas
à Galiza
Voltei-me
antes para o mar…
Santa Marta!
Saias negras…
Mas como o
povo é poeta
Aquelas
saias tão negras
Têm
vidrinhos de luar!
Virei costas
à Galiza…
Pus-me a
remar contra o vento…
Santa Marta!
Saias rubras…
Ó santa
Marta vestida
Da cor do
meu pensamento!
A minha
pátria é Viana
São estas
ruas compridas,
São navios
que partem
E são as
pedras que ficam…
É este sol
que me abrasa,
Estas
sombras que me assustam
A minha
terra é Viana.
(Não sei de
berço mais belo…)
A minha
terra é Vi-Ana
É Vi-Ana do
Castelo!
JOSÉ MANUEL
MENDES
MOSTRAR
Chegará o
inverno
E teremos
perdido outras cidades
Como quem
olhou o naufrágio
À hora em
que os barcos são pombos
De regresso
ao vento
Andaremos pelas
ruas
Escombros do
que fomos transidos
Diante de
uma porta para nenhures
O tempo
desmoronou a canção
Dos plátanos
dizíamos adeus tão leves
Meu amor e o
rio já
Suspenso o
frio a cinza
As
borboletas
Emudecendo
Que estórias
contarás
Se não
refluirmos à pedra
Do sol trevo
da terra esse jeito nómada
De esculpir
caminhos?
Entraremos
no bar ao pé da catedral
Mesmo que a
neblina do jazz
Nos preludie
a véspera sorriamos havia
Lágrimas
uísque mirtilos o teu isqueiro
Aceso
Cadernos
dois bilhetes para o
Cinema a mão
que te dava
E o ruido da
máquina de café
Deixa agora
declinar
A tempestade
Na memória
O cativeiro
o luto a luz do medo