terça-feira, 1 de novembro de 2011

Dias das Bruxas / Dia de Todos os Santos (Origens)

Vamos olhar para trás, bem para trás, na origem lusitana das primeiras tribos celtas que se foram acomodando nos acantonados das serras das beiras e do noroeste da península, tornando-se nos primeiros sedentários, embora combinados com a numância pastoril. Por um lado fixaram-se para cultivar os cerais do pão e da cerveja, por outro subiam e desciam com os rebanhos em função das suas duas estações anuais. Os celtas são os nossos ancestrais e alicerce das nossas comunidades rurais e de importantes rituais que a cristianização quase apagou. Hoje está nas nossas mãos reconstruir algumas destas vivências.
Quando as noites já são mais longas, entra-se no mundo das sombras, com memórias e contactos com os antepassados. Era nesta noite, que para os Celtas separava o Verão e o Inverno, que se situa a barreira entre a vida e a morte; uma barreira tão fina como um véu, que permite aos espíritos dos mortos passá-la e festejar com os seus familiares ainda vivos. É a noite da evocação de Mac Mansnnon Lir, o deus celta da velhice.

Contudo, os rituais desta celebração celta deixavam no ar muito mais magia alegre do que sentimento triste de perda ou de fatalidade. Para além da alegria natural da mudança do ano, nesta noite, para os celtas, os antepassados estavam vivos nas crianças que iriam nascer no ano seguinte, por isso era necessário que os antepassados cruzassem os portais dos mundos e que a sua visita fosse festejada. Era habitual deixar à mesa um lugar para os ancestrais e servir-lhes pratos como se estivessem no repasto, tal como deixar archotes acesos nos portais, para que fossem guiados na vinda a este mundo e no regresso pela madrugada. As máscaras com abóboras eram uma tradição celta na Irlanda e, juntando-se à tradição de iluminar os portais, deu origem ao ritual moderno do “dia das bruxas” ou Halloween.

Entre nós ficou o hábito dos presentes com pãezinhos com passas (os bolinhos dos mortos) e, a partir do final do século X, a igreja católica introduziu o culto aos “fiéis defuntos”, em 2 de Novembro, que acabou por se fundir com o “dia de todos os santos”, em meados do século XX. Estas celebrações religiosas acabam por incorporar parte da essência do Samhain, honrando os antepassados e ajudando-os a encaminhar as suas almas até à salvação celestial.

Por outro lado, tomemos nota da religiosidade que está associada ao dia 1 de Novembro: No início da cristandade, os primeiros cristãos recordavam no respectivo aniversário da martirização os seus familiares e amigos, em regra no local de martírio ou próximo (Coliseu, Via Ápia, etc). Com a evolução das perseguições e sobretudo com o imperador Diocleciano (o mais impiedoso dos perseguidores) o número de mártires elevou-se tanto que não havia calendário anual compatível, passando essa evocação a ser feita em grupos e não individualmente. Começou, assim, a perder-se a ligação das gerações seguintes ao martírio lendário dos cristãos primitivos, até que, no séc. VII, o papa Bonifácio IV decretou que em 1 de Novembro seriam evocados e celebrados “Todos os Santos”, de modo a compensar os mártires anónimos e incontáveis.

Durante a Idade Média e mesmo nos tempos Modernos, a probreza extrema de muitas famílias era suavizada com a cozedura mais abundante de pão, pelos que o tinham, para repartir com os esfomeados. Nasceu assim o “bolo dos santinhos”, enquanto a criançada menos inibida ia de porta em porta pedir “pão, por Deus” que, com o tempo evoluíu para “pão-de-Deus”.

A celebração dos Fieis Defuntos neste dia, tal como acontece na actualidade, é uma manobra administrativa do Estado português, incluída na Concordata celebrada na década 50 do século XX com a Santa Sé, integrando os dois feriados (1 e 2 de Novembro) num só. Em consequência, entre o povo serrano, o dia 1 de Novembro é actualmente designado como o “dia dos mortos”.

E também, do dia 2 de Novembro: O primeiro milénio da cristandade acumulou dezenas ou centenas de milhar de homens e mulheres martirizados pela sua fé e pela sua abnegação às práticas cristãs. Passadas as respectivas gerações mais próximas,... todos foram esquecidos, com excepção dos míticos apóstolos e dos casos consagrados na tradição oral, em regra devido à espectacularidade do seu martírio ou às coincidências dos espisódios conexos.

Foi em 998 que o abade de Cluny (santo Odilon) impôs na abadia que os monges rezassem pelos mortos. Logo de seguida, os papas Silvestre II (1008), João XVII (1009) e Leão IX (1015), lançaram bulas para que as comunidades dedicassem um dia aos mortos.

Esse dia veio a ser fixo no calendário litúrgico anual, no século XIII, passando a ser iniciado chamado “Dia das Almas” e mais recentemente Dia dos Fieis Defuntos, quando os católicos oravam pelos seus familaires falecidos e, de modo geral, por todos os crentes já desaparecidos. A romagem aos cemitérios instalou-se, em Portugal, decorrer do século XX e, na década 50 transferiu-se para o dia 1 de Novembro.

Este texto é de autoria de Manuel Farias, de Aveiro, que publicou no facebook no sitio "Ranchos Folclóricos", ontem dia 31.10.2011, cuja sitio é dedicado a pormenores etnográficos e folclóricos que aconselhamos a consultar.